A Enciclopédia dos Mortos é o título do conto que dá nome a esta coletânea. Todos os textos falam sobre a morte e as fatalidades da vida. Há o enterro de uma prostituta que provoca uma grande comoção em um cemitério; o despertar de um longo sono e a morte definitiva de três homens considerados santos; um espelho misterioso que revela um acontecimento trágico; um livro cuja interpretação influencia gerações. Danilo Kis costuma mencionar diferentes autores, personagens de outras obras e faz alusões a fatos históricos que nem sempre são muito conhecidos e que tornam algumas coisas um pouco “herméticas” (para mim), mas isso não reduz a aura de mistério e encanto dos textos.Meu conto preferido é mesmo aquele que dá o título ao livro. Ele narra o sonho de uma mulher cujo pai faleceu há pouco tempo e que ainda não se recuperou de sua perda. Em seu sonho, ela é conduzida até o que parece ser uma grande biblioteca. Ela é dividida em várias salas, cada sala é dedicada a uma letra do alfabeto. A biblioteca, na verdade, contém apenas os volumes da “Enciclopédia dos mortos”, obra que preserva a história das pessoas que morreram. A mulher se dirige para a sala de letra “M” e encontra o volume com a história de seu pai. Ela lê sobre seu nascimento, infância, casamento, cada mínimo detalhe de sua vida está encerrado naquelas páginas até o momento de sua morte. É um conto bonito.Eis um trecho que achei particularmente belo, reflexões feitas pela mulher enquanto procura se lembrar do que leu na Enciclopédia:“Não tentarei contar tudo de que me lembro, tudo da forma como é contado e descrito ali – a data e a maneira como foi realizado o noivado, o casamento tradicional para o qual o dinheiro não é problema, a gama de costumes pitorescos que fazem parte da vida: isso tudo pareceria insuficiente, fragmentário, comparado com o original. No entanto, não posso deixar de mencionar que o texto oferece uma lista das testemunhas e dos convidados, o nome do pastor que realizou a cerimônia, os brindes e as canções, os presentes e quem os deu, a comida e a bebida. Em seguida, cronologicamente, vem o período de cinco meses, entre novembro e maio, no qual os recém-casados se mudam para Belgrado, a Enciclopédia inclui o andar e a disposição dos móveis, o preço do fogão, da cama e do guarda-roupas, bem como certos detalhes íntimos que nesses casos são sempre tão parecidos e ao mesmo tempo tão diferentes. No final – e é isto que considero ser a principal mensagem do compilador – nada na história da humanidade se repete, coisas que, à primeira vista, parecem iguais não chegam nem mesmo a ser similares; cada indivíduo é um universo em si mesmo, tudo acontece sempre e jamais, tudo se repete ad infinitum e ainda assim é único. (É assim que os autores do majestoso monumento à diversidade que é A Enciclopédia dos Mortos sublinham o particular, é por isso que cada ser humano é sagrado para eles).”
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