A fama a precede, e ela é a primeira a sabê-lo. Tão logo entra em cena, a moça pergunta: "Já ouviu falar de Carmencita?". E a verdade é que todos nós já ouvimos falar da bela boêmia muito antes de conhecê-la - ou, mais precisamente, muito antes de conhecê-la sob os traços que lhe emprestou Prosper Mérimée em Carmen, novela publicada em outubro de 1845 na Revue des Deux Mondes. De fato, a cigana não demorou a passar das páginas aos palcos e destes às telas. Primeiro veio a ópera do compositor Georges Bizet: Carmen logo se converteu numa das óperas mais encenadas do repertório lírico, contando com Friedrich Nietzsche e Otto von Bismarck entre seus admiradores. Depois foi a vez do cinema, com inúmeras adaptações, assinadas pelos diretores mais diversos, de Chaplin e Lubitsch a Saura e Godard. Nesse trânsito da literatura à ópera e ao cinema, a personagem foi se descolando do original impresso para seguir carreira própria, com notório sucesso.
Mas o estrelato tem lá o seu preço. Justamente porque a reconhecemos sem demora como encarnação da femme fatale, a figura esquiva e movediça criada por Mérimée foi se fazendo frontal e inequívoca. A boêmia tornou-se familiar, o que não deixa de ser uma situação insólita para quem, como ela, sempre se recusou terminantemente a constituir família. Já não nos intrigamos mais, já não tentamos decifrá-la. Num certo sentido, Carmen - a personagem - foi se tornando ilegível na mesma medida em que multiplicava seus avatares. Para voltar a lê-la, é preciso devolvê-la a um texto, é preciso reler Carmen - a novela de 1845.
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