João Grave - O passado

«Num suave domingo de Outono, cheio de sol e de serenidade, desci a rua da Restauração, uma das mais solitárias e tranquilas do Porto e donde, no entanto, se contempla em todo o seu esplendor um dos mais belos trechos de paisagem que eu conheço: ? as margens do Douro do lado de Gaia com os seus pomares, os seus campos sempre verdejantes de relvas, os seus pinheirais, a ondulação violenta dos terrenos formando colinas e montes, destacando-se por vezes, dentre as massas de verdura, a linha arquitectónica simples das lindas vivendas, rodeadas de repouso, do silêncio que os arvoredos fazem à sua volta: A rua da Restauração é discreta. Fica próxima do centro do burgo, e parece em todo o caso encontrar-se a uma distância considerável, tal é a sua pacificação imperturbável. Não há alarido, multidão nos passeios, as janelas dos prédios têm sempre as cortinas corridas, para que os olhos curiosos não possam devassar os interiores calmos: na calçada são raros os trens que passam, e apenas de meia em meia hora um carro eléctrico sobressalta um pouco a solitude. Esta inquietação indica desde logo um bairro farto e feliz, vivendo com certa opulência – porque hão-de ter notado que nos pontos onde a miséria se instala nuca existe um doce momento de sossego e calmaria.»